quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Coragem


 Coragem

Lá fora a água caía como se o céu tivesse querendo lavar a terra. Pela vidraça ela via o sacudir das árvores. Seus olhos divididos vigiavam o telefone e a chuva.  Para quem tinha esperado até aqui, um pouco mais não faria diferença. Ainda assim, não conseguiu conter o ímpeto de roer as unhas. Andava de um lado para o outro a espera da hora . Toca o telefone. Embora a espera toda fosse por causa deste, se assustou do mesmo jeito. Deu um salto e agarrou o aparelho:
- Oi!
- Oi!
- E aí? Decidiu?
- Sim.
- E...?
- A minha resposta é sim.
- Jura?!  Você tem certeza?
- Sim, juro, tenho certeza!
- Mas, e os outros? E o que vão dizer?
- Não me importa mais. Já tomei a minha decisão.
- Mas...
- Não há mais nenhum  mas que me faça mudar de idéia.
- Nossa! Eu confesso que estou surpreso com a sua certeza.
- Não fique. O que você está vendo hoje, não começou hoje, mas sim no dia em que eu decidi dar um novo rumo à minha vida. Não tem nada a ver com você, tem a ver comigo.
- Entendi... E quando será?
- Agora.
- Agora? Mas tá chovendo!
- Não tem problema, nunca brinquei na chuva mesmo! 
- Então  boa sorte!
-  Estou indo. Tchau
Desligou o telefone, olhou-se no espelho, sorriu para si mesma e foi.
Naquele dia ela deixou-se molhar. Olhou para o céu  e enxergou os pingos da chuva vindo em sua direção. Abriu a boca e bebeu os pingos. Não correu, não se esquivou, apenas ficou ali, deixando a chuva enxarcar suas roupas, seus cabelos, seu corpo. Deixou-se lavar. 
A roupa colou no corpo mostrando as curvas da sua cintura. A blusa colou nos seios mostrando os bicos arrepiados. E ela, inebriada pelo balé da água e do vento, tocou o rosto molhado e provou de si mesma. 
E assim atravessou o grande jardim. Completamente molhada, caminhou para o futuro que a esperava do lado de fora daqueles portões. Olhou para traz pela última vez, virou a esquina e foi viver.
 
Leila Rodrigues

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Carta para um amigo


Amigo,  me perdoe o gerúndio, mas estou precisando de você. Se estou com algum problema? Ah caro amigo, se formos falar de problemas, este texto não vai caber. Não, dessa vez eu não quero falar de problemas. Então seria para falarmos de solução? Sim e não. Considerando que não vamos falar de problemas, pela lógica não poderemos chegar na solução. Mas se observarmos que muitas vezes a solução está no caminho oposto do problema, aí sim, entre uma conversa e outra, pode ser que encontremos, sem procurar, alguma solução.
Mas não se preocupe com isso. Estou precisando de você pela sua presença mesmo. Só serve você. Por quê? É que você não é fornecedor, não é cliente, não é chefe, não é funcionário, não é patrão, não é mercado. Quando estou com você, meu sobrenome, meu CPF não interessam. Por isso só serve você.   
Estou precisando de você para jogarmos conversa fora. Para falarmos do tempo, para falarmos daquele filme que ficamos de assistir juntos, para falarmos daquele livro que você me emprestou e eu nem li e também nem devolvi. Para contarmos de novo aquelas mesmas piadas e rirmos tudo outra vez até chorar. Para lembrarmos todas as manotas que cometemos juntos e aí sim, chorar de rir de verdade. 
Preciso de você para fazermos uma caminhada e vermos o quanto a cidade cresceu, para tomar um café lá em casa e devorarmos meio queijo. Preciso de você para te contar dos meus filhos, que o mais velho já está namorando, que vai fazer vestibular. Preciso de você para me contar do seu jardim, do seu cachorro que morreu e da sua viagem à Europa que eu não pude ir junto. E essa sua namorada nova que eu nem conheço direito? Nós não vamos falar dela? Só nós dois! Aposto que você tem muito para me contar! 
Preciso de você para pedir açúcar emprestado. Hoje, se faltar açúcar em casa, eu não tenho liberdade de pedir a ninguém, parece que pedir algum favor virou vergonha nacional. Lembra quando morávamos na república? Até as meias dividíamos. 
Não eu não pretendo ficar remoendo o passado, fique tranquilo. O que eu quero mesmo é dividir o presente com você. Sem pressa, sem compromisso, sem nenhum objetivo. 
Estou com saudade da sua voz, do som único da sua risada, do toque da sua mão na minha e dos seus olhos sorrindo para mim. Estou com saudade de nós dois juntos e o tempo a nosso inteiro dispor. 
Amigo, preciso de você para me ajudar a lembrar que a vida é boa. Para eu acreditar de novo que a vida não é só trabalho, correria, pressão, problema. Preciso de você para viver a simplicidade de ser feliz. Para colorir a minha alma cinza. E então eu voltarei à vida, bem mais preparado para enfrentar os meus problemas. 
Leila Rodrigues - Publicado no Jornal Agora Divinópolis MG em 09/01/2012

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Uma voltinha no céu



E eu estava lá, naquele lugar tão sonhado por todos, o céu! Sim, eu estava no céu! Um azul que não se comparava, uma imensidão, outra dimensão! Que vontade de voltar correndo só para contar para todos como é que era aquilo ali!! Eu estava lá, em carne e osso. Bom, na verdade, nem em carne, nem em osso, eu estava lá e nem sequer sabia como! Nem por quê?!
Ouvia pássaros, músicas. O céu me pareceu ser cheio de instrumentos! Eu não cheguei a ver ninguém tocando, mas ouvi as músicas. Só música boa! Aquelas do nosso tempo!  O DJ deve ter nascido em Campinas, em meados de 72. Não deu tempo de conhecê-lo, mas, pelas músicas, pude imaginar!
Os barulhos não se misturam. Uma coisa de cada vez! Lá ninguém tem pressa para falar. Nem as mulheres! O tempo é sempre ensolarado, mas não faz o calorzão daqui. Estranho, não é? Um sol que não queima? Achei meio esquisito, mas permaneci calado, afinal, quem sou eu para questionar o céu! O céu, meu sonho de consumo durante toda a minha vida! Eu iria questionar o quê? E questionar com quem? Lá não tem patrão!
Aliás, lá falta muita coisa gente! Questão de escolha, penso eu! Mas não encontrei nem um botequim! Tudo bem que eu nem senti sede, mas nem unzinho? Tá bom, desculpe! Isso não é coisa de se procurar no céu. Era só para matar a saudade...
Bill Gates certamente iria querer essas cores para colocar na nova janela do Windows. As cores lá são ... Diferentes. Intensas seria a palavra certa. Ou seriam meus olhos? Não sei, também não vi ninguém de óculos!
Eu andei pouco, mas foi o suficiente para voltar cheio de novidades. Ninguém no céu anda de camisolão, como eu imaginava. A turma também não fica tocando harpa e comendo frutinha deitado na rede. Nada disso! Tudo intriga da oposição! Lá você fica do jeito que quiser. E todos tem o que fazer! A diferença é que, estando lá, você só quer fazer o que é bom e certo. Naturalmente. Sem ninguém pedir.
Tem mulher, tem homem, tem bicho, tem flor. Só não tem celular, fila de espera, trânsito e poluição. Confesso que a falta do celular me deixou meio atordoado. Força do hábito!
No mais, o céu não é muito diferente daquele dia que você acorda de bem com a vida e sai enxergando o mundo diferente e muito melhor.  E eu só voltei porque queria contar para você que eu fui até lá de trem. É! Um trem doido que eu tomei antes de pegar o ônibus para Brasília.


Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis MG, em 23/11/2011

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ressaca do bem



Olá meus caros,

estive fora para um breve descanso e hoje estou de volta. Espero que todos tenham tido ótimas comemorações de Natal e Fim de ano e que estejam renovados para 2012, com muita saúde e paz no coração.
Neste meu período de reclusão, eu pude ler um pouco mais e também escrevi bastante. O Palavras continua aí, a seu inteiro dispor, animado para levar até você um pouco das minhas palavras. Prometo visitar a todos os meus queridos amigos blogueiros o mais breve possível. Um ano iluminado a todos vocês e que consigamos nos mover rumo a nossa evolução pessoal. 

Grande abraço

Leila Rodrigues


O texto abaixo, foi publicado no Jornal Agora - Divinópolis MG em 27/12/2011. Espero que gostem.

Ressaca do bem

Perdeu a hora, mas nem se importou. Esse é o único dia em que ela se permite acordar mais tarde. Um café forte vai ajudar. Saiu do quarto e observou à sua volta:
Destroços de papéis de presente espalhados pela casa mostravam que por ali houve algazarra. E alegria! No silêncio da casa, agora vazia, ela ainda conseguia ouvir os ecos das falas de cada um, falando tudo de uma vez. Era sempre assim! Todos falavam ao mesmo tempo. Dos filhos, dos netos, dos que não vieram, das conquistas. Mães competem umas com as outras elogiando suas proles. Homens falam dos seus times, viram técnicos inflamados e competentes. Contam do carro novo, do investimento, da reforma da casa. Pequenos correm e gritam ao mesmo tempo. É muita fala para uma noite só! E cabe tudo na ceia.
Crianças avançam afoitas em seus presentes. A alegria está nos olhos de cada uma delas. Alguns se emocionam, choram, coraçãozinho dispara. Pena que, em 10 minutos, já abriram, já testaram, já estragaram e já desmontaram os presentes. E ainda tem aqueles que mal ganharam o presente e já começam a pedir outro.
Na mesa, comida para 8 dias e o dobro de convidados. Com medo de faltar, faz-se, além da leitoa, do peru, do arroz com castanhas, das frutas e dos panetones; um feijão tropeiro, uma tábua de frios, uma carne de boi ao molho madeira... Enfim, é comida que não acaba mais! Tudo permitido! Mesmo porquê, não comer o que uma fulana trouxe é desfeita.
As tias, que só tomam leite de soja, entram no  espumante. Docinho, refrescante e ainda na taça com aquelas bolhinhas sensuais. Ah! Vira água! Os homens, que já bebem o ano inteiro, têm alvará para beber a noite inteira. Dá para imaginar o resultado! Dançam, cantam, choram, riem, gargalham, choram de rir, choram de chorar, se abraçam, se desentendem e se entendem novamente. Tudo em uma única noite! Isso é mágico!
Ela anda pela casa vazia. Enquanto junta os papéis, refaz o filme da noite anterior. Seus filhos lindos, quanto mais velhos mas lindos. Seus netos, seus parentes todos. Como é bom juntar a família, e poder celebrar a alegria de pertencer ao grupo. Voltar ao ninho e celebrar o nascimento do Pai.  Esta é a forma que encontramos de renovar nossos laços com aqueles que já nascemos entrelaçados.  Se é certo ou não, se o espírito natalino se perdeu, se o consumismo tomou conta, ela prefere não julgar. Para ela, fica a certeza de ter renovado seu profundo amor para com todos que estiveram alí.
Leila Rodrigues